O Eleito

domingo, outubro 23, 2005

Porto d'Honra - O Líder Da Mudança

As organizações têm, regra geral, uma tradição hierárquica e um conjunto de linhas de autoridade e comunicação muito próprias, fruto da história da própria organização e de um conjunto de pequenas influências dos seus líderes ditos normais. A espaços surge um líder diferente, que empolga a organização, que muda vários trâmites, que a refunda, que traça novos objectivos e, por norma, a catapulta para vôos mais altos. São normalmente épocas douradas onde o líder responsável por esse brilho ganhará para sempre o lugar na História.
Porém, como tudo, esse líder é efémero. E não raramente quando a sua liderança acaba a organização tende a passar por um período de menor fulgor, mesmo de retrocesso. O povo (que aqui pode-se traduzir como todos aqueles com quem a organização mantinha uma relação razoável) clama pela alma perdida; o povo perde (de novo) a esperança e a confiança na organização e começa a lembrar, de forma saudosa (e tão portuguesa) o Messias que fez mudar as suas vidas. A organização, minada pelo facilitismo decorrente dos anos áureos ou por aqueles que viram o seu poder diluído com o carismático líder, perde a maioria dos novos processos inscritos, voltando a pouco a pouca, mas de forma firme, aos seus anteriores automatismos. Esperando por outro Messias.
Parece que a nossa República funciona de igual maneira. Espera-se sempre por um Messias; muitas vezes até nem o aplaudimos quando ele está em actividade ou somos ingratos aquando da sua retirada. Mas vivemos depois ansiosos pelo seu regresso ou pelo regresso de alguém que consiga recolocar o País nos eixos por ele criados (e entretanto abandonados). Parece ser este o caso de Cavaco Silva. Uma década bastou para o autoritário, frio e arrogante PM voltar e ter a passadeira estendida e se esperar dele a força e o impulso necessários para mudar os trâmites. Esperam-se mudanças para melhor no curto prazo mas hipoteca-se, a meu ver, o longo prazo, ao basear, de novo, as mudanças de regime numa pessoa. O que acontecerá quando esse líder abandonar? Estarão aqueles que agora advogam Cavaco Silva (até) para Presidente do Conselho de Ministros dispostos a dar tamanho poder ao seu sucessor? Ou mesmo ao seu antecessor, Jorge Sampaio, que já deu mostras do seu partidarismo? Depende da pessoa, alguns me dirão. Mas aí caminhamos para a ditadura do chefe.
A mudança de regime, mesmo necessária, deve resultar de um movimento de fundo por parte da sociedade, civil ou não-civil, organizada em think tanks ou em aparelhos partidários, das Universidades ou de opinion-makers, tão na moda no nosso país. E aqui está o verdadeiro problema, pois em Portugal só se advogam mudanças através da força de uma revolução ou golpe de Estado. O que Cavaco pode fazer é ser o impulsionador de um ataque à Constituição que a abra à Sociedade e que lhe permita participar activamente e dizer qual é, afinal, o seu desejo. Coisa que tem sido impossível descortinar de há anos para cá, com os sucessivos recordes de abstenção.

Tiago Alves

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