Os Bons, Os Maus - O Filtro Ao Contrário
De quando em vez - na televisão, nos jornais, nos blogues, um pouco por toda a parte - levantam-te vozes insurgentes contra o vencimento e as regalias dos titulares de cargos políticos. O caminho, em minha opinião, deveria ser precisamente o inverso. Um dos grandes problemas do nosso sistema é, precisamente, esse.
Não se pode lamentar a falta de qualidade da nossa classe política quando se defende - demagogicamente - a prática de corte nos salários/regalias da mesma classe. O rendimento de qualquer profissão depende de vários factores, sendo que um deles é, seguramente, o grau de responsabilidade inerente às funções desempenhadas. Outro será o nível de exigência humana e técnica exigido. Ora, competência e assunção de responsabilidade têm - como quaisquer outros bens disponíveis no ponto de encontro entre a oferta e a procura - o seu preço. Quando se paga com parcos salários/regalias cargos deste calibre, o resultado só poderá ser o alheamento dos bons (que, no sector privado, encontram oferta que satisfaz as suas exigências salariais) e a instalação dos maus. O filtro como que funciona ao contrário. Com todas as impurezas que tal corrente arrasta: tornando-se pouco atraentes aos melhores cargos como, verbi gratia, os de Ministro, Secretário de Estado, Presidente da Câmara, a qualidade das decisões políticas só pode ser má ou, eufemisticamente, menos boa. Por outro lado, o poder corrompe. E a tentação do pecado da corrupção é muita e inversamente proporcional ao salário: quanto mais baixo for este, maior será a probabilidade daquela ocorrer.
Era bom que a demagogia parasse, mas ela não pára. Estão lá os maus.
12 Comments:
Parafraseando Eça, se estes são os "bons e competentes", que venham os "incompetentes".
Estoiu absolutamente contra esta forma, completamente demagógica de colocar a questão. Os vencimentos e regalias dos políticos e gestores públicos são escandalosos, sim e as acumulações de reformas com reformas (de valores escandalosos), de vencimentos com vencimentos, ou de vencimentos com reformas são inaceitáveis, pérfidas, um autêntico insulto à população. Na maior parte dos casos estas situações perfiguram agiotagem, gangsterismo. Não há um único "argumento" válido, neste texto que possa justificar tal vergonha. Ao invés, há uma enorme quantidade de princípios de boas e recomendáveis práticas de gestão, modernas, que desaconselham tais situações. Para além do facto de os elevados vencimentos não garantirem (pelo contrário) a qualidade e a eficácia dos seus titulares...
Não podia estar mais de acordo com o Pedro e mais em desacordo com o Biranta.
As reformas são, é certo, em alguns casos um escândalo. Mas muitas foram criadas e empoladas precisamente para discretamente tentar pagar aos titulares de cargo públicos um mínimo aceitável. Este sistema é vergonhoso, mas deriva unicamente porque não há coragem política de assumir que um bom deputado custa dinheiro. Um bom exemplo é o Marcelo Rebelo de Sousa. É conhecida a perda de rendimentos que sofreu para ir para Presidente do PSD. E se ele se sujeitou a isso, foi porque a meta era ser Primeiro-Ministro.
Se em alguns cargos, como Primeiro-Ministro ou Presidente da República, o vencimento que recebem é irrelevante para a sua decisão de se candidatarem, pois o poder e o prestígio já são suficientes, para os cargos "menores" de Deputados, Presidentes de Câmara ou até mesmo na administração pública, o vencimento SÓ é relevante. Veja-se o caso do Director Geral de Contribuições e Impostos. Reconhecido por toda a gente que está a fazer um bom trabalho, quanto é que está a ganhar ? Aceitaria ele vir ganhar menos ? A que propósito ? Em nome da causa pública ? Posso ser cinismo, mas eu desconfio de pessoas que se privam de regalias passadas para vir servir a causa pública.
Ao não se remunerar, por exemplo, um jurista conforme o que ele receberia no mercado, ele não vem. E quem é escolhido é outro que vêm ganhar mais do que aquilo ganharia no privado. Não é preciso ser adivinho para perceber que este outro será seguramente inferior em termos de qualidade. No fundo, há um provérbio português que resume tudo isto: O barato sai caro.
O que deveria ser feito, na minha opinião, era reduzir drasticamente o número de deputados, acabar com os governadores civis e reduzir também drasticamente muitos institutos públicos e afins, que apenas servem para distribuir benesses com o dinheiro do Estado.
Com o mesmo dinheiro, o Estado pagaria mais a menos. Mas esses menos seriam, inquestionavelmente, de muito melhor qualidade. Olhem para o Parlamento. Exceptuando as figuras centrais de cada bancada, o que é que vêem ?
A remunaração dos gestores topo das empresas são elevados pois são determinados em função dos objectivos estratégicos bem definidos que têm a cumprir. Parte da sua remuneração é determinada em função dos lucros e do cumprimento (ou ultrapassagem) dos objectivos (se não é assim, pelo menos devia ser...).
Na governação, esses objectivos estratégicos são, na sua maioria, difusos ou mesmo inexistentes. Pelo menos é essa a sensação que tenho. Obviamente, esses objectivos deveriam ter o valor de uma constituição, para que não ficarem "ao sabor das ondas" sempre que haja alterações no executivo. Os governantes, ao serem seleccionados, saberiam que estariam obrigados a cumprir objectivos concretos e seriam avaliados em função dos mesmos (e a sua remuneração estaria também indexada a esses objectivos). O não cumprimento de um mínimo de objectivos implicaria o seu afastamento. Com um modelo destes, eu aceitaria que os salários dos governantes fossem equiparados ao dos gestores de topo (mas em circunstância nenhuma acumuláveis com reformas). Caso contrário, sem ser possível avaliar de forma concreta o desempenho dos governantes, não vejo em que é que melhores ordenados signifiquem necessariamente melhores governantes.
Os bons gestores, carpinteiros, médicos, advogados, pintores, deputados, jornalistas, etc, etc, ganham mais porquê ? Porque são melhores e porque produzem um melhor trabalho.
Concordo com a dificuldade de avaliação de o trabalho de um deputado. É de facto quase impossível avaliar a sua prestação. Mas eu acredito que um deputado melhor preparado políticamente e tecnicamente só pode exercer um mandato melhor que outro que foi lá parar porque andou a lamber as botas de alguém para que a sua secção do partido o consegui-se meter nas listas.
Quanto à função pública, estou de acordo que podem de devem ser definidos objectivos. Eu não sei quais foram os do Director da DGCI, mas aqui está um caso que facilmente quem de direito pode aferir da sua prestação.
Referiu ainda o "sabor das ondas" das alteraçõs do executivo. Embora seja uma questão paralela a esta, não deixa de ser um imperativo a uma boa administração pública a completa definição dos cargos de confiança política. O Governo aliás, está a fazer qualquer coisa nessa matéria. Eu defendo que os cargos de natureza política deviam durar enquanto durasse a tal confiança política e o governo que os nomeou estivesse em funções. E teriam direito a uma indminização financeira fixa, caia o governo ao fim de três meses ou ao fim de quatro anos da legislatura.
Ainda bem que falou no DGCI, Mário, porque esse é um dos exemplos escandalosos, sem qualquer justificação. O homem ganha por 20, tendo em conta as disposições legais, que o seu vencimento viola. Acha mesmo que ele pode fazer o mesmo que vinte trabalhadores? Que pode suprir o mesmo número de necessidades?.
Outro exemplo escandaloso, absurdo e criminoso é o de Vitor Constâncio, que ganha quase 3 vezes mais que o Presidente da Reserva Federal americana. E para quê? Para ser um reles lambe-botas, que elaborou um relatório, por encomenda, com números e resultados "feitos à medida", com um valor do défice "adequado" para justificar mais um crime governativo, este cometido por Sócrates: o recente aumento dos impostos (do IVA).
Já o disse e repito: eu fazia muito melhor do que qualquer desses, por muito menos dinheiro. Aliás, pior ou tão mau é que eu nunca conseguiria fazer, por muito que me esforçasse. É uma questão quase genética. Acho que esses nem sequer são gente, no sentido social do termo (que é um dos principais "sentidos").
É mais fácil encontrar, entre os desempregados, pessoas capazes, eficazes e íntegras, do que entre essa gente. Defender uma coisa dessas revela, da parte de quem o faz, total ausência de carácter cívico... Estamos a falar dum país onde mais de 2 milhões de pessoas vivem abaixo do limiar de pobreza, onde o vencimento mínimo (o que é garantido à maioria dos trabalhadores por conta coutrém) é inferior a 400 euros. Tenham vergonha e um mínimo de dignidade. Não admira que essa gente se ache no direito de cometer toda a espécie de abusos e prepotências, destruindo o país: são "importantes" porque ganham muito...
Haja idoneidade cívica...
Até porque, quando as coisas "apertarem", em termos de controlo de desempenhos e tiverem de ser escolhidos os melhores, eu garanto que vocês não estão no "lote". Defender coisas destas só demonstra incompetência e ignorância, primarismo e oportunismo.
De facto, ao defender que a avaliação dos ministros deverá ser feita à luz de objectivos, tenho consciência de quão dificil é estabelecer esses objectivos, sobretudo objectivos mensuráveis. Na verdade, falar é muito mais fácil do que concretizar...
No entanto, parece-me evidente que sem uma clara orientação estratégica para o desenvolvimento do país, sob a qual seriam definidos esses objectivos, de pouco serve ter os melhores tecnica e politicamente, pois assim estão mais expostos à vontade das máquinas partidárias.
Por isso, mais do que assegurar os melhores técnicos e políticos para serem ministros e secretários de estado, precisamo-los, a um nível mais acima (acima da esfera partidária), para definir qual a missão do estado no desenvolvimento do país (com uma visão abrangente e não apenas restrita a um sector específico) e correspondente estratégia, em que no centro desse desenvolvimento têm de estar, obviamente, os cidadãos! Neste contexto, obviamente precisamos dos melhores, pelo que, realisticamente, terão de ser remunerados de acordo com a exigência de tal função, face aos valores do mercado. Mesmo assim, tenho as minhas reservas se, mesmo os melhores, não iriam ter o "campo de visão" limitado pelos seus interesses pessoais/corporativos...
O que eu quero dizer, claramente é que: não são as remunerações elevadíssimas, escandalosas, que mobilizam os melhores (há outros factores bem mais importantes que incluem a "gestão de recursos humanos", desde há, pelo menos 20 anos a esta parte);
nem são as remunerações elevadíssimas, escandalosas, que garantem que eles são "os melhores".
Quanto aos critérios de responsabilização, para mim são fáceis de definir. Pois os próprios não querem que os aumentos dos trabalhadores sejam condicionados pelo desempenho da economia? Tá aí! Eu só lhe acrescentaria metas de progresso, facilmente atingíveis, porque as há.
Mas tudo começa pela responsabilização dos políticos; isto é: tudo começa na valoração da abstenção. É a população que tem de "avaliar" e ponto final.
Mesmo assim, tenho as minhas reservas se, mesmo os melhores, não iriam ter o "campo de visão" limitado pelos seus interesses pessoais/corporativos... "
Eu penso que é inevitável, pois caso contrário não estaríamos falar de pessos, mas sim de máquinas.
O que não precisamos é que a juntar esses interesses se agrupem também a "ocasião para se fazer ladrão" e principalmente a falta de competência nas decisões.
Biranta :
Qual é a sua opinião sobre Fernando Pinto, administrador delegado da TAP e que ganha também uma pequena fortuna ?
A minha opinião sobre o Fernando Pinto é a mesma: não é necessário ir ao brasil para encontrar pessoas competentes. Já aqui relatei a minha experiência na EDP, com um administração competente (com dois ou três muito competentes, que é quanto basta), em que todos ganhavam os vencimentos normais...
A vantagem de "ir ao Brasil buscar" é que nos ficamos pelo mercenarismo, porque isso favorece os "ajustes de contas" internos e permite as perseguições do costume, aos que se destacam pela positiva.
Mas porque é que não deixam a população decidir sobre esses vencimentos?
Efectivamente, é inevitável que os governantes tenham as suas convicções pessoais sobre o que é melhor para o país, e é natural que as queiram aplicar.
No entanto, para além da eventual necessidade de adequar os salários à responsabilidade dos governantes, bem como de secretários de estado e de gestores públicos (embora, utopicamente, eu considere que um salário digno de um bom governante/SE/gestor - como o Fernando Pinto - não tem necessariamente que ser "chorudo"), é necessário que haja processos que garantam a efectiva selecção dos melhores tecnica e politicamente, assim como processos que promovam a rentabilização dessas qualidades e dos diversos pontos de vista.
Mas naturalmente, a dificuldade está em definir esses processos...
Excepto a componente política, eu penso que a selecção de um alto quadro de uma empresa do estado ou do funcionalismo público, não deve diferenciar muito dos processos de selecção de uma empresa privada. E tal como na privada, sujeitos a erros, desilusões, enganos, etc, etc.
Mas "na privada", quando o fulano não corresponde, despede-se...
Nos cargos políticos e de "confiança", promove-se...
Se bem que, na situação que vivemos, há que não ter grandes ilusões acerca dos privados, porque também eles "promovem" muita gente cujo único mérito é serem capazes de mover influências e assim garantirem "o bom andamento" dos negócios...
Enviar um comentário
<< Home