Acabar Com O Tabu
Parece-me particularmente actual este artigo de opinião que publiquei no Público em Novembro de 2003 eque por essa razão aqui recordo:
"O sistema de governo semipresidencialista consagrado na Constituição de 1976 tem sido um tema tabu no debate constitucional. Apesar de estar já aberto o 6º processo de revisão desde a entrada em vigor da Constituição, nunca este tema foi abertamente debatido e discutido e muito menos foi alguma vez objecto de propostas de alteração.
A verdade é que o debate constitucional em matéria de sistema de governo tem-se limitado a baralhar e dar de novo. Desde a extinção do Conselho da Revolução que não é mexido. E , todavia, não estamos em presença de matéria que conste do elenco de limites materiais de revisão do artigo 288º da Constituição.
Esta é a primeira nota a reter: o sistema de Governo não se encontra entre as matérias irrevisíveis da Constituição. Os constituintes têm toda a liberdade para o alterarem se assim o entenderem.
A segunda nota a reter é a de que vale a pena discutir o assunto. O sistema político português há muito deixou de satisfazer os anseios da comunidade nacional. O país escolhe directamente quem não tem poder e não escolhe quem o tem efectivamente. Reivindica perante quem não elege e assiste impotente à inacção de quem escolhe e que no actual figurino constitucional nada pode fazer.
Até se poderá chegar à conclusão de que tudo deve ficar na mesma. Mas discuta-se o assunto.
Posto isto, coloca-se a seguinte questão: o nosso sistema de governo tem provado bem? Façamos algumas reflexões para responder a esta pergunta.
Estará hoje o país satisfeito com o sistema de governo que vigora? Contribui esse sistema de forma eficaz para mobilizar o país ou, pelo contrário, tem contribuído para afastar os eleitores da política e da participação eleitoral?
Os portugueses elegem directamente os deputados à Assembleia da República e o Presidente da República. Não elegem o Governo.
O Parlamento, tirando o poder orçamental, debate política e legisla as mais das vezes sob impulso da maioria. A sensação que o país tem é que ali não existe poder real, pelo menos o poder mínimo exigível a quem é directamente eleito pelos cidadãos de quatro em quatro anos.
Os mecanismos de fiscalização do Governo e da Administração estão desvalorizados. O acto legislativo vive do impulso governamental. O escrutínio do poder político anda ao sabor das conveniências maioritárias.
Já o Presidente da República tem essencialmente dois poderes: o de dissolver o Parlamento e o de demitir o Governo. De resto, conta pouco. Veta umas leis de vez em quando, representa-nos externamente e faz uns discursos. Na expressão consagrada pela prática, exerce uma magistratura de influência, que não de poder.
E, não obstante, é eleito directamente pelos cidadãos de cinco em cinco anos, em nome de um programa que não tem poder para aplicar, em nome de um projecto que não lhe compete aplicar, em nome de uma ideia de país que não tem meios nem competências para conseguir.
É que de facto, o que resta do poder nacional, aquilo que Bruxelas e a burocracia comunitária ainda não nos tirou, está sediado no Governo. Governo esse que é precisamente o único destes três orgãos de soberania que os cidadãos não elegem.
Quem escolhe o primeiro-ministro? O partido que ganha as eleições quando elege em Congresso o seu líder. Quem escolhe o líder do partido que ganha o Congresso do Partido? Dezoito presidentes de distritais e dois chefes regionais.
Ou seja: dezoito mais dois cidadãos escolhem-nos o primeiro-ministro, precisamente o chefe do único orgão de soberania que não é directamente eleito pelo povo e que é justamente aquele que tem o poder de, no dia-a-dia, decidir a nossa vida.
Esta é a situação actual.
Bem sabemos que existe quem defenda que o sistema deve continuar assim porque tem provado bem. E que o “provar bem” resulta de não haver choques entre a s três instituições. Não nos parece que o critério seja esse. A paz institucional não é sinónimo de eficácia institucional. E esta mede-se pela capacidade de resolver os problemas da comunidade e pelo grau de satisfação do país com o seu trabalho.
Bem sabemos que existe uma inércia institucional que tende a não pôr em causa este sistema, do qual, aliás, depende um número significativo de famílias que nele trabalham e dele vivem. É humano que se encontre alguma incompreensão na abordagem deste tema por parte de quem vive dele.
Mas o país tem de ter a capacidade de questionar. Sobretudo num momento como aquele em que vivemos, em que a autoridade do Estado está caricaturalmente refém dos cadeados de uma associação de estudantes, em que o clima é o da desresponsabilização política pelo que acontece e pelo que não acontece e em que o país não encontra um rumo que o ajude a passar por esta depressão colectiva em que está mergulhado."
"O sistema de governo semipresidencialista consagrado na Constituição de 1976 tem sido um tema tabu no debate constitucional. Apesar de estar já aberto o 6º processo de revisão desde a entrada em vigor da Constituição, nunca este tema foi abertamente debatido e discutido e muito menos foi alguma vez objecto de propostas de alteração.
A verdade é que o debate constitucional em matéria de sistema de governo tem-se limitado a baralhar e dar de novo. Desde a extinção do Conselho da Revolução que não é mexido. E , todavia, não estamos em presença de matéria que conste do elenco de limites materiais de revisão do artigo 288º da Constituição.
Esta é a primeira nota a reter: o sistema de Governo não se encontra entre as matérias irrevisíveis da Constituição. Os constituintes têm toda a liberdade para o alterarem se assim o entenderem.
A segunda nota a reter é a de que vale a pena discutir o assunto. O sistema político português há muito deixou de satisfazer os anseios da comunidade nacional. O país escolhe directamente quem não tem poder e não escolhe quem o tem efectivamente. Reivindica perante quem não elege e assiste impotente à inacção de quem escolhe e que no actual figurino constitucional nada pode fazer.
Até se poderá chegar à conclusão de que tudo deve ficar na mesma. Mas discuta-se o assunto.
Posto isto, coloca-se a seguinte questão: o nosso sistema de governo tem provado bem? Façamos algumas reflexões para responder a esta pergunta.
Estará hoje o país satisfeito com o sistema de governo que vigora? Contribui esse sistema de forma eficaz para mobilizar o país ou, pelo contrário, tem contribuído para afastar os eleitores da política e da participação eleitoral?
Os portugueses elegem directamente os deputados à Assembleia da República e o Presidente da República. Não elegem o Governo.
O Parlamento, tirando o poder orçamental, debate política e legisla as mais das vezes sob impulso da maioria. A sensação que o país tem é que ali não existe poder real, pelo menos o poder mínimo exigível a quem é directamente eleito pelos cidadãos de quatro em quatro anos.
Os mecanismos de fiscalização do Governo e da Administração estão desvalorizados. O acto legislativo vive do impulso governamental. O escrutínio do poder político anda ao sabor das conveniências maioritárias.
Já o Presidente da República tem essencialmente dois poderes: o de dissolver o Parlamento e o de demitir o Governo. De resto, conta pouco. Veta umas leis de vez em quando, representa-nos externamente e faz uns discursos. Na expressão consagrada pela prática, exerce uma magistratura de influência, que não de poder.
E, não obstante, é eleito directamente pelos cidadãos de cinco em cinco anos, em nome de um programa que não tem poder para aplicar, em nome de um projecto que não lhe compete aplicar, em nome de uma ideia de país que não tem meios nem competências para conseguir.
É que de facto, o que resta do poder nacional, aquilo que Bruxelas e a burocracia comunitária ainda não nos tirou, está sediado no Governo. Governo esse que é precisamente o único destes três orgãos de soberania que os cidadãos não elegem.
Quem escolhe o primeiro-ministro? O partido que ganha as eleições quando elege em Congresso o seu líder. Quem escolhe o líder do partido que ganha o Congresso do Partido? Dezoito presidentes de distritais e dois chefes regionais.
Ou seja: dezoito mais dois cidadãos escolhem-nos o primeiro-ministro, precisamente o chefe do único orgão de soberania que não é directamente eleito pelo povo e que é justamente aquele que tem o poder de, no dia-a-dia, decidir a nossa vida.
Esta é a situação actual.
Bem sabemos que existe quem defenda que o sistema deve continuar assim porque tem provado bem. E que o “provar bem” resulta de não haver choques entre a s três instituições. Não nos parece que o critério seja esse. A paz institucional não é sinónimo de eficácia institucional. E esta mede-se pela capacidade de resolver os problemas da comunidade e pelo grau de satisfação do país com o seu trabalho.
Bem sabemos que existe uma inércia institucional que tende a não pôr em causa este sistema, do qual, aliás, depende um número significativo de famílias que nele trabalham e dele vivem. É humano que se encontre alguma incompreensão na abordagem deste tema por parte de quem vive dele.
Mas o país tem de ter a capacidade de questionar. Sobretudo num momento como aquele em que vivemos, em que a autoridade do Estado está caricaturalmente refém dos cadeados de uma associação de estudantes, em que o clima é o da desresponsabilização política pelo que acontece e pelo que não acontece e em que o país não encontra um rumo que o ajude a passar por esta depressão colectiva em que está mergulhado."
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