Velhos Que Aspiram A Altos Voos
Tem oitenta e um anos feitos. Vejo-o com simpatia. (...) A sua estatura é meã, encorpada e robusta, o rosto sereno e nobre com todos os caracteres somáticos acentuadamente portugueses. Aparece-me no seu ambiente doméstico, vestido de preto, sóbrio, sem uma jóia. Tem imensa dignidade de presença, mas é simples, sem a mínima pose ou afectação. Será um presidente democrático num país democrático, não a contrafacção dum rei. Olhos vivos, candentes, o riso bem-humorado, a voz forte e bem timbrada. Conserva a plena lucidez intelectual, raciocínio arguto e amplo, vontade tenaz, palavra fluente, memória pronta. É ainda o homem de ferro que o país conheceu. É o digno representante da Resistência portuguesa.
Archer, Maria (1949), “O general Norton de Matos”, in Sol, nº 201, pp. 1 e 10,
Acho que ainda vivi no tempo em que os velhos valiam alguma coisa, e não se atiravam para o lixo final de casas colectivas onde, hoje, são mantidos vivos, para morrer sós, inspirando, no seu último sopro de ar, o fedor da lixívia mista de urina retardada.
Já não gostamos dos velhos. Já nada nos podem ensinar. Já sabemos tudo. Leis, história, economia, literatura. Queremos caras novas e bonitas, gente magra, a quem os fatos assentem bem, de preferência.
Os velhos dão trabalho. São teimosos. Inconvenientes. Atrapalham. Sujam e não limpam. Não temos onde os pôr. E o pior é que alguns têm o coração e próstata de ferro, e ainda refilam, e nos mordem os calcanhares, perguntando, onde vamos e a que horas regressamos.
Nada os deita abaixo. E, agora, reformados, estão melhores que nós, que, para alombar com a crise, a nossa e a dos outros, embicamos todos os dias na direcção do emprego, debaixo de chuva e de noites mal dormidas, enforcados na gravata ou no conjunto de saia e casaco nas cores oficiais permitidas, azul, cinzento, castanho, preto.
Há 50 anos já éramos velhos se chegávamos aos 80, mas ainda contavam connosco para salvar a pátria. Era-se digno, aos 80; tinha-se errado e acertado, mas havia dignidade ao longo dessa caminhada, mesmo que fôssemos raposas velhas – um velho é sempre uma raposa, e nada teria aprendido se não o fosse.
Hoje, aos 80, estamos arrumados, somos velhos. Qual experiência! Riem-se. “Não acha que já chega, que já fez o que tinha a fazer, não lhe chega ler os jornais à lareira?”
Cartaz da candidatura de Norton de Matos, 1949
Em 1949, o general Norton de Matos, candidato à Presidência da República, com 81 anos de idade, era a esperança dos que sonhavam o fim do Estado Novo; em 2005, Mário Soares, com a mesma idade, está velho. Argumento fraco.
Digam-me que Soares é uma raposa velha, digam-me que não olha a meios, que dribla a democracia para manter a democracia, digam-me o que quiserem, e eu assentirei, porque dele nunca esperaria pior!
Também estou à espera de chegar aos 81 para me candidatar a qualquer coisa importante!
Já não gostamos dos velhos. Já nada nos podem ensinar. Já sabemos tudo. Leis, história, economia, literatura. Queremos caras novas e bonitas, gente magra, a quem os fatos assentem bem, de preferência.
Os velhos dão trabalho. São teimosos. Inconvenientes. Atrapalham. Sujam e não limpam. Não temos onde os pôr. E o pior é que alguns têm o coração e próstata de ferro, e ainda refilam, e nos mordem os calcanhares, perguntando, onde vamos e a que horas regressamos.
Nada os deita abaixo. E, agora, reformados, estão melhores que nós, que, para alombar com a crise, a nossa e a dos outros, embicamos todos os dias na direcção do emprego, debaixo de chuva e de noites mal dormidas, enforcados na gravata ou no conjunto de saia e casaco nas cores oficiais permitidas, azul, cinzento, castanho, preto.
Há 50 anos já éramos velhos se chegávamos aos 80, mas ainda contavam connosco para salvar a pátria. Era-se digno, aos 80; tinha-se errado e acertado, mas havia dignidade ao longo dessa caminhada, mesmo que fôssemos raposas velhas – um velho é sempre uma raposa, e nada teria aprendido se não o fosse.
Hoje, aos 80, estamos arrumados, somos velhos. Qual experiência! Riem-se. “Não acha que já chega, que já fez o que tinha a fazer, não lhe chega ler os jornais à lareira?”
Cartaz da candidatura de Norton de Matos, 1949
Em 1949, o general Norton de Matos, candidato à Presidência da República, com 81 anos de idade, era a esperança dos que sonhavam o fim do Estado Novo; em 2005, Mário Soares, com a mesma idade, está velho. Argumento fraco.
Digam-me que Soares é uma raposa velha, digam-me que não olha a meios, que dribla a democracia para manter a democracia, digam-me o que quiserem, e eu assentirei, porque dele nunca esperaria pior!
Também estou à espera de chegar aos 81 para me candidatar a qualquer coisa importante!
Esta imagem de Soares, no S. João do Porto, é conhecidíssima; alguém sabe indicar-me a identidade do(a)profissional que a captou, para que lhe possa fazer a devida justiça autoral?
1 Comments:
Excelente post!
Discutir a idade do senhor não vale a pena e é indigno. Vamos é ao que interessa!
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