Cavaco E A Estratégia "Big Brother"
A estratégia de Cavaco Silva, tão legítima como outra qualquer, desde que legal, lembra-me o Zé Maria do Big Brother 1, com uma única diferença: acredito que o Zé Maria não teve estratégia, ou, pelo menos, até certa altura, não a teve; quanto a Cavaco, já a tinha delineada no dia em que saiu do governo para se tornar O Humilde Professor.
A estratégia é óptima, dificilmente não resultará, e Soares, que, aqui, desempenha o papel do Marco, o da pontapé na Sónia, no mesmo BB1 (isto, para situar quem não teve, como eu, acesso a tais momentos de cultura pura!), tem de levar o adversário muito a sério: Cavaco não será a raposa velha, como Soares, não tem o seu dom da palavra nem a sua mundividência; não se desembrulha de improviso; não consegue enfrentar um argumento forte, arrumando-o com graça, ironia; sabe apenas responder lateralmente, e fugir; ou seja, no que respeita ao exercício de combate verbal político, Cavaco não chega à sola do sapato de Soares, nunca. E, nesta fase, é isso que está em questão.
Isso poderia ser suficiente para o colocar em séria desvantagem na corrida, não tivesse Cavaco outros trunfos: a consciência do que o distingue de Soares! Sabe que não deu provas, a não ser as que tão bem conhecemos, que não tem, portanto, a papa feita, como Soares. Sabe que o seu estilo tem de ser diferente, e escolheu um muito caro aos portugueses: o que granjeou votos a todos os vencedores de Big Brother’s, em Portugal: ser humilde e honesto, falar pouco, fugir de questões, não se irritar, vir de baixo, ser pobrezinho ou mais ou menos! Se Cavaco se aguentar neste registo, até ao final, se não lhe saltar a tampa, ganha este Big Brother, quero dizer, estas eleições.
O mesmo bolo-rei com que os media o achincalharam, assaloiaram há anos, pode servir agora para o eleger: a simplicidade, a autenticidade de alguém que é apenas um honesto e inteligente professor, discreto, modesto, pobre mas limpinho – português como todos os portugueses, não um menino de família que sabe francês e tem manias de estrela, não um menino humanista provindo de uma elite intelectual urbana da qual nunca saiu.
Nada disso, eis Cavaco, um homem do povo, que conhece os seus problemas, que viveu na terrinha, na província, que ajudou o pai, que subiu sozinho, e que recusa a linguagem gasta de um confronto eleitoral. E recusa porquê? Porque o mundo mudou, vive uma crise profunda, e, agora, apliquemos-lhe o código da crise: o do silêncio. Por isso, não, não ataca o adversário, porque o mundo mudou!
Este falho argumento pode não me servir, mas servirá a muitos, que nele verão um Cavaco-Zé Maria a recusar, por respeito, valor tão caro aos portugueses!, confrontos gratuitos com a raposa Soares-Marco. O candidato Cavaco-Zé Maria conquistará uma aura de simplicidade e boas-intenções, sem nada na manga. É inofensivo, respeitador, tão bom senhor, e faz muito bem em não se enxovalhar na lama política com o outro, que é um sabidão dos maus. E quando, na próxima feira de Natal, lhe cair dos beiços o farelo do bolo-rei, vamos dizer: ai, que simples que ele é, que espontâneo, tal e qual o meu tio Manel...
Cavaco não é simpático, não sorri como Soares, não mostra ser capaz de se descontrair, mas quem é que disse que os portugueses gostam de políticos simpáticos? Os portugueses, a quem sorri, chamam leviano (muito riso, pouco siso); os portugueses gostam de ver o chicote pendurado na parede, de saber ali bem presente a ameaça, pronta a cair, sem dó nem piedade; porque a ordem é precisa, porque isto andava bem era no tempo do Salazar, tudo direitinho: não havia desemprego, nem crise, nem pretos, a não ser nas colónias, e estavam lá muito bem! E se não temos colónias, que boa falta nos fazem, devemo-lo ao Soares, que negociou a vergonha toda! Não podíamos falar, e que importância tinha isso, para que queremos nós falar, de que se fala hoje, não é de futebol?, ora alguma vez o Salazar nos proibiu o futebol? Pelo menos tínhamos emprego.
É por isso que Cavaco é perigoso. É por isso que quando o vejo dizer que não vai responder a ataques, até tremo. Discussão de ideias? Qual discussão de ideias? Um ditador não discute ideias, porque um ditador não tem dúvidas e raramente se engana.
Portanto, como fazer para se ser um Zé Maria de Barrancos, uma Catarina dos Açores, um Henrique seminarista, um Fernando, mecânico no Seixal, e ganhar o Big Brother, digo, as eleições para a Presidência da República: não reagir a provocações, falar o mínimo (pode até não saber falar ou escrever!), não se envolver em disputas, manter-se, até ao fim, a personalidade menos interessante, a que dá menos espectáculo, aquela de quem há menos a dizer... E assim, está no papo!
É por isso que é urgente pôr o Cavaco a falar. É urgente instigar o “bicho” a mostrar dentes e garras antes das eleições, os que tão bem lhe conhecemos, e que uma década de distância não nos pode ter feito esquecer.
Isso poderia ser suficiente para o colocar em séria desvantagem na corrida, não tivesse Cavaco outros trunfos: a consciência do que o distingue de Soares! Sabe que não deu provas, a não ser as que tão bem conhecemos, que não tem, portanto, a papa feita, como Soares. Sabe que o seu estilo tem de ser diferente, e escolheu um muito caro aos portugueses: o que granjeou votos a todos os vencedores de Big Brother’s, em Portugal: ser humilde e honesto, falar pouco, fugir de questões, não se irritar, vir de baixo, ser pobrezinho ou mais ou menos! Se Cavaco se aguentar neste registo, até ao final, se não lhe saltar a tampa, ganha este Big Brother, quero dizer, estas eleições.
O mesmo bolo-rei com que os media o achincalharam, assaloiaram há anos, pode servir agora para o eleger: a simplicidade, a autenticidade de alguém que é apenas um honesto e inteligente professor, discreto, modesto, pobre mas limpinho – português como todos os portugueses, não um menino de família que sabe francês e tem manias de estrela, não um menino humanista provindo de uma elite intelectual urbana da qual nunca saiu.
Nada disso, eis Cavaco, um homem do povo, que conhece os seus problemas, que viveu na terrinha, na província, que ajudou o pai, que subiu sozinho, e que recusa a linguagem gasta de um confronto eleitoral. E recusa porquê? Porque o mundo mudou, vive uma crise profunda, e, agora, apliquemos-lhe o código da crise: o do silêncio. Por isso, não, não ataca o adversário, porque o mundo mudou!
Este falho argumento pode não me servir, mas servirá a muitos, que nele verão um Cavaco-Zé Maria a recusar, por respeito, valor tão caro aos portugueses!, confrontos gratuitos com a raposa Soares-Marco. O candidato Cavaco-Zé Maria conquistará uma aura de simplicidade e boas-intenções, sem nada na manga. É inofensivo, respeitador, tão bom senhor, e faz muito bem em não se enxovalhar na lama política com o outro, que é um sabidão dos maus. E quando, na próxima feira de Natal, lhe cair dos beiços o farelo do bolo-rei, vamos dizer: ai, que simples que ele é, que espontâneo, tal e qual o meu tio Manel...
Cavaco não é simpático, não sorri como Soares, não mostra ser capaz de se descontrair, mas quem é que disse que os portugueses gostam de políticos simpáticos? Os portugueses, a quem sorri, chamam leviano (muito riso, pouco siso); os portugueses gostam de ver o chicote pendurado na parede, de saber ali bem presente a ameaça, pronta a cair, sem dó nem piedade; porque a ordem é precisa, porque isto andava bem era no tempo do Salazar, tudo direitinho: não havia desemprego, nem crise, nem pretos, a não ser nas colónias, e estavam lá muito bem! E se não temos colónias, que boa falta nos fazem, devemo-lo ao Soares, que negociou a vergonha toda! Não podíamos falar, e que importância tinha isso, para que queremos nós falar, de que se fala hoje, não é de futebol?, ora alguma vez o Salazar nos proibiu o futebol? Pelo menos tínhamos emprego.
É por isso que Cavaco é perigoso. É por isso que quando o vejo dizer que não vai responder a ataques, até tremo. Discussão de ideias? Qual discussão de ideias? Um ditador não discute ideias, porque um ditador não tem dúvidas e raramente se engana.
Portanto, como fazer para se ser um Zé Maria de Barrancos, uma Catarina dos Açores, um Henrique seminarista, um Fernando, mecânico no Seixal, e ganhar o Big Brother, digo, as eleições para a Presidência da República: não reagir a provocações, falar o mínimo (pode até não saber falar ou escrever!), não se envolver em disputas, manter-se, até ao fim, a personalidade menos interessante, a que dá menos espectáculo, aquela de quem há menos a dizer... E assim, está no papo!
É por isso que é urgente pôr o Cavaco a falar. É urgente instigar o “bicho” a mostrar dentes e garras antes das eleições, os que tão bem lhe conhecemos, e que uma década de distância não nos pode ter feito esquecer.
10 Comments:
Ninguém entende esta esquerda. Criticam tanto o populismo de outros políticos e aspiram sempre a um modelo de politico que só discuta ideias, que não mande bocas por mandar, que não tente politiquice baixa, que seja capaz de olhar olhos nos olhos e dizer a verdade, que não seja um dependente da política,...
Mas se esse tipo de politico aparece na direita passa a ditador, a covarde, enfim...
O homem não sabe falar e é um provinciano que come de boca aberta. Pois que seja, mas sem ele seríamos mais uma Albania. Sem ele por esta altura "ir às portuguesas" seria mais uma expressão para "ir às putas" entre os espanhois.
O povo só serve à esquerda quando os faz ganhar eleições, quando os castiga passa a ignorante e provinciano que só espera o chicote do ditador.
Caro Karloos
«mas sem ele seríamos mais uma Albania. Sem ele por esta altura "ir às portuguesas" seria mais uma expressão para "ir às putas" entre os espanhois».
Safa, mas não nos tem a nós, portugueses, em grande conta pois não? Eu por mim, apesar de achar que a geografia é uma doce superstição, não vejo, nunca vi, Portugal como uma Albânia. Se bem que os indices de desenvolvimento herdados do Estado Novo... Quanto à seriedade das portuguesas prefiro imaginar que isso nem de perto, nem de longe, tem a ver com a metafísica influência do Professor Cavaco. Eu é que sou estúpido e não consigo ver o que Cavaco fez de extraordinário com os milhões da europa e das privatizações num contexto de crescimento geral. Fez bem? Fez! Mas qualquer um outro poderia ter feito igual ou até melhor. Aliás, deviamos tirar a limpo isto: ele que concorra para primeiro-ministro agora que a torneira fechou!
Estes tipos da pequena direita não suportam ler um texto bem escrito...
Num contexto bem melhor governou guterres e deixou o país no pântano que se conhece.
Em 1985 Portugal pouco tinha evoluído desde a revolução. Em certos aspectos tinha mesmo regredido.
Queres analisar a performance do cavaco em termos relativos? Analisemos então. Em 1995 Portugal estava à frente, na maior parte dos índices económicos e sociais, da irlanda e da Grécia e a morder os calcanhares a Espanha. Hoje somos o 16º país da UE. Podia ter sido feito melhor? Acredito que sim. Mas ninguém o fez, muito menos Soares.
Podia, claro, se o Sr. Dom Duarte reinasse...
Progresso, retrocesso, progresso, retrocesso, progresso, retrocesso... é assim desde que existiu a primeira tentativa de uma organização política e económica. Governar em tempo de progresso é fácil. Cavaco afastou-se do partido em tempo de crise: governar em tempo de crise é duro! Diga-o o Durão Barroso!
Passo a vida a repetir esta noção elementar de que o Estado somos nós. Se o Estado não funciona, isso quer dizer que somos nós que não funcionamos. Ensinaram-nos a estar quietos, a comer e calar. E quando Soares fala de políticas sociais a par das económicas, fala muito bem. Em Portugal continuamos a precisar de muita política social para se conseguirem ganhos económicos. Por exemplo, se, enquanto trabalhadores, continuarmos a ser despedidos e contratados com a "flexibilidade" que referes no teu blog (acho piada ao eufemismo!), nunca terás trabalhadores motivados e muito menos produtividade não esclavagista. Mas, claro que o esclavagismo tem muito saída, muito, em todo o lado, nos países que se apresentam no topo dos desenvolvidos: uma enorme massa de escravos a viver em caves e a trabalhar 16 horas por dia para enviar carcanhol para a família no México, para o Brasil. Tens aquele exemplo do miúdo brasileiro que foi morto em Londres, pelos polícias, como suspeito de atentado. Escravos desses. Uma massa enorme, anónima, que tu não vês, que cozinha a tua comida, que limpa o teu escritório, enquanto tu dissertas sobre as vantagens do liberalismo e dás a tua aula sobre as consequências a nível social do movimento de operários que ocorreu durante a Revolução Industrial.
Eu não faço ideia do que seja ser marxista. A mim, o que me interessa, sabendo que a justiça não existe, é descobrir como é possível fazê-la chegar a todos. Eu disse a todos, não apenas a alguns!
Excelente post.
Concordo com o Pedro... simplesmente excelente... estou aqui a roer-me de inveja por estar neste post e de forma soberba aquilo que transporto na garganta à muito tempo :)
Por haver ciclos económicos é que é importante avaliar a governação em termos relativos. Os 10 anos de Cavaco foram de "progresso" para todos os países, no entanto Portugal cresceu mais que os outros. Curiosamente o periodo de maior "progresso" foi aquele entre 95 e 2000, logo apos a saida de cavaco e, no entanto, durante esses anos divergiu. No mesmo periodo a Espanha colou-se ao pelotão da frente, a Irlanda passou a encabeça-lo mesmo à frente do Reino-Unido e Portugal passou para o último dos 15. São factos, factos. Nada de lirismos e rimas bem feitas. Estes são os factos quer queiram quer não.
Em relação à flexibilidade laboral, como pudeste ler no meu post Portugal é dos mais inflexíveis. Mas a esquerda pretende ainda mais inflexibilidade afinal o Congo, o Mali e o Burkina Faso ainda são mais que nós. Se é este o caminho que querem, encontramo-nos na bicha do pão.
Sempre se pode dizer que Cavaco, durante os seus governos, teve um excelente Presidente da República (refiro-me a Soares e não a Eanes, claro)
Karloos - Vamos à bicha do pão, que eu já passei por várias, em todas se falava português, e ainda cá ando a picar-te os miolos.
E agora estou cheia de sono, vou dormir. Beijinhos e até amanhã.
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