O Eleito

quarta-feira, novembro 02, 2005

«Livre Livre Livre» - II - Os Da Esperança

A minha geração foi a da revolta?
Não, a minha geração foi a que herdou a experiência da revolta e a sua memória.
A minha geração confundiu puberdade e liberdade, portanto, biologia e ideologia, porque as estrearam ao mesmo tempo.
A minha geração teve esperança; na sua maioria, em 1974, não tinha ainda a idade suficiente para perceber bem que "dantes não se podia falar", mas, apesar de tudo, foi aquela a quem disseram, “agora podemos falar”. A minha geração cresceu a ler poemas colados nos jornais de parede: liberdade rimava com eternidade e sociedade com verdade...
A minha geração construiu jornais de parede com os poemas dos revoltados, dos que estiveram presos, dos que levaram porrada por se darem ao "luxo" de arriscar o que tínhamos livre e de graça: opinião!
Os da esperança foram os do unificado! A minha geração estudou Manuel Alegre no sétimo ano e no oitavo e no nono... Que o poema tenha rodas motores alavancas...
“Isabela, os poemas têm rodas, motores, alavancas?”
“Sim, stor, os poemas são como um automóvel que circula comunicando, transportando...”
“Os poemas são como um automóvel?! Isabela, explica-me isso melhor...”
Que o poema corra salte pule/ que seja pulga e faça cócegas ao burguês/ que o poema se vista subversivo de ganga azul/ e vá explicar numa parede alguns porquês.
“Corra, salte, pule, sim, é uma gradação crescente, sim, mas o resto, quero o resto...”
“...vai pular ao tornozelo do burguês, e picá-lo sem sossego, picá-lo, picá-lo, como os operários da Siderurgia vão picar os miolos aos...”
“Isabela: subversivo? O que é subversivo?”
“Subversivo é como subterrâneo, vem de baixo, até pode estar escondido como uma toupeira que revolve a terra e constrói túneis lá em baixo e depois mostra o focinho à luz do dia... “
“Mas subversivo é mais que isso, Isabela... o poema veste-se de de ganga azul... Quem é que se veste de ganga azul, Isabela? E porquê numa parede? Explicar numa parede alguns porquês? Isabela...”
A minha geração associou poesia e política. Associou, não foi? Ainda associa um pouco, não é? Digam-me que a minha geração ainda se divide, às segundas de manhã, entre a redacção de um terceto, e a interpretação da alínea a), do artigo 35º do Decreto-Lei número tal?
Caramba, digam-me lá que a minha geração ainda se emociona quando lê, numa quadra do Alegre, Que o poema seja microfone e fale/uma noite destas de repente às três e tal/para que a lua estoire e o sono estale/ e a gente acorde finalmente em Portugal?
“Isabela, microfone; três e tal; lua estoire e o sono estale...??? Isabela, finalmente? As paráfrases, Isabela!!!”
Isabela, Isabela, tantas palavras para explicar, uma vida inteira de paráfrases, materializando os ideais que as ergueram, reconstruindo, com cuidado, fragmentos de fonemas derrubados.
E onde está a minha geração?

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