O Eleito

terça-feira, novembro 15, 2005

O Professor Na TVI

Quando me sentei em frente ao televisor, sintonizado na TVI (só mesmo estas entrevistas para me fazerem ver este canal...), para assistir à entrevista do professor, antevia que não iria ser fácil. Ainda tinha na minha memória a de Manuel Alegre. Nessa, a dona Constança conseguiu, com inegável mérito, desmontar o discurso do poeta, arrancado-lhe contradições e levando-o mesmo a desautorizar a sua mandatária. Cavaco, embora muito melhor do que há uns anos, não tem aquela retória que lhe permite escapar com humor ou com um sorriso patriarca a uma pergunta mais incómoda. Os meus receios revelaram-se, porém, infundados.
A dona Constança pode não ter estado ao seu melhor nível, é certo, mas o professor esteve quase irrepreensível. Conseguiu, como já li algures, dar quarenta e cinco minutos de entrevista sem atacar os seus adversários nem cometer, por diversas razões invocadas pelo próprio, qualquer desconsideração aos actuais Primeiro Ministro e Presidente da República.
Cavaco falou um pouco de tudo. Embora tentando levar a conversa para o futuro, as questões levantadas levaram-no a revisitar os seus Governos (crescimento de 4.9% ao ano, 6 acordos seguidos de concertação social, aproximação à média europeia) e o tempo em que se manteve inactivo politicamente mas activo enquanto cidadão ("O Monstro", a intervenção sobre o Iraque (um raro momento de televisão onde o entrevistador surpreende uma mal preparada entrevistadora), a boa e a má moeda).
Apesar de tudo, não se cansou de repetir que se candidata para ajudar, activamente (e não apenas como alguém que sabe "ouvir, unir...") porque os tempos em que vivemos não pedem apenas alguém "sentado no cadeirão" mas alguém que transmita uma imagem de seriedade e rigor, de honestidade e de confiança (aqui se vislumbrou a sua grande escorregadela, ao permitir a ligação com o actual governo de Sócrates..), algo muito improtante para o professor e, acredito, para todos nós. Cavaco será, nas suas palavras, um PR mobilizador, atento ao Governo e, sendo conhecedor da realidade portuguesa e internacional ("alguém que não reconhece que o Mundo mudou radicalmente nos últimos anos não vem ajudar"), procurará remar, com todos, para cumprir os apelidados "objectivos nacionais", pressionando as empresas, os sindicatos e a sociedade civil, promovendo a sua emancipação. Não deixou também de repetir algumas palavras muito importantes: inovação e globalização.
Foi vago? Talvez. Mas a estrutura da entrevista não permitiu grandes dissertações pois o que se procurava, e sempre se procurará, é sangue. A dona Constança passou mais de metade da entrevista procurando que o professor 1) dissesse que não apoiava este Governo e que podia demiti-lo 2) lançasse farpas aos seus opositores, nomeadamente a Mário Soares 3) embarcasse numa onda de promessas e/ou de aumento dos poderes presidenciais (sempre o mesmo fantasma) 4) embarcasse numa onda de críticas aos procedimentos passados, nomeadamente os de Guterres ou de Santana 5) entrasse em contradições com as suas afirmações passadas, trazendo à memória inúmeros episódios, desde artigos a papers académicos, passando por críticas a Balsemão (!!).
Por tudo isto, o professor teve de se defender. E não conseguiu esclarecer algumas das suas ambições. A culpa não foi, porém, dele. Foi, e sempre será, do sistema das entrevistas e da politiquice portuguesa, tão enraizada e na qual Cavaco não se revê nem nunca se reviu; mas à qual reconhece agora poder e perigo, adaptando-se e perdendo tempo a refutar e a fugir às armadilhas, mais sorridente, mais irónico mas não menos Cavaco. Não menos Aníbal, o tecnocrata de Boliqueime.
Tiago Alves

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