O Estigma
Anda meio mundo a querer imputar tendências de presidencialismo oculto ao candidato Cavaco Silva, para lá do que o próprio diz e além do que o próprio escreve. Anda outro meio mundo a tentar defender o candidato de tão pecaminosa tentação, para desfazer o receio do voto dos parlamentaristas conformistas a que vulgarmente se chama de centrão eleitoral.
Compreendo ambas as preocupações. A esquerda manhosa que não tem mais a que deitar a mão do que a fantasmas que julga que assustam os incréus eleitores alegadamente decisivos, fá-lo pela simples razão de que já percebeu que só inventando tem a mínima chance de manter o palácio presidencial no curriculum.
É ver, a título de mero exemplo, a agressividade de Vital Moreira no programa Prós e Contras desta semana, acusando uma tenebrosa conspiração eanisto-cavaquista de querer reconquistar o palácio entretanto entregue durante anos à calmaria das forças conservadoras da esquerda a que entretanto o ex-comunista se converteu com método, militância e zelo imprevisíveis quando fazia revisões constitucionais na década de oitenta ao lado de Jerónimo de Sousa.
Já os apoiantes de Cavaco Silva, temem que uma assombração de Sidónio do século XXI, possua o seu candidato, projectando, à margem dos especialistas do marketing, um protótipo anti-eleitoral e tão ou mais inconveniente que um vídeo dos netos ou uma enternecedora capa de revista do coração ilustrando a Consoada pré-presidencial do candidato no recato estável do seu lar. Ou pior, que torne incontornável um qualquer exorcismo de imagem (uma romaria delicodoce ao Parlamento, por exemplo…), de todo incompatível com a política não profissional de que é adepto.
No fundo, ambas as forças sabem que estão a disputar um jogo de espelhos, muito mais que uma eleição de projectos representados por pessoas. E que todos os candidatos se auto-contemplam na bastança da influência, abjurando com íntimos e silenciosos vaderetros a mais leve suposição de que voltarão a ter o incómodo de exercer o poder. E que ambas as falanges sabem estar a mentir no jogo. Para criar falsas sensações, uns. Para evitar essas falsas sensações a fim de imporem outras mais convenientes, os outros.
Para os dois campos o presidencialismo, mais do que crime, é pecado que não se deseja cometer. E, ouvindo as turbas de suporte, é estigma a derramar sobre os portugueses todos que, cansados da inoperância poli-institucional, podem, quiçá, um dia desejar voltar a ter o menino Rei reencarnado em Presidente eleito por sufrágio directo e universal.
(Publicado na edição de hoje do Semanário)
3 Comments:
Recebi um convite para participar aqui, que agradeço, mas, até hoje, não tive tempo para estruturar essa participação (a ver se se justifica). Mesmo assim aqui fica a minha primeira participação, avulsa, de quem não se identifica com nenhum dos candidatos anunciados (alguns até acha repugnantes), porque não há um, sequer, que dê indicação de exercer o cargo de forma a contribuir decisivamente para resolver os nossos problemas (e pode-se fazê-lo).
Este post critica os "ataques" a Cavaco, por parte de Vital... mas isso é fácil. O homem só fez figura triste, como é normal.
Vejamos porque é que eu também não quero Cavaco:
"Cavaco Silva, quando esteve no governo, devia ter aproveitado o "crescimento" económico, conseguido à custa dos subsídios da UE, das estradas, C.C., expo, etc., para fomentar o crescimento, sustentado da economia, organizando e melhorando as condições de funcionamento de todos os sectores de actividade. Essa também teria sido a melhor altura, estratégica, para suprimir os entraves, provenientes do mau funcionamento do estado e da corrupção, às actividades económicas. O que aconteceu foi que se deixou medrar a corrupção, o caciquismo, o compadrio (eu fui uma das muitas vítimas), a criminalidade, que fizeram com que uma parte dos subsídios tivessem apropriação particular e impediram a consolidação do desenvolvimento e do crescimento.
Já nessa altura era óbvio que se caminhava para a situação que agora vivemos e muita gente o disse (até eu...).
Agora, Cavaco o que quer é tacho, sem esforço, porque acha que não necessita fazê-lo. Nunca vou entender a forma de pensar de gente assim, que acha que o país pode custear, tão caro, um cargo ínútil que, por isso, se torna prejudicial. Se o Presidente não serve para nada, não tem de resolver problemas (nem cumprir as suas funções de garantir o funcionamento das instituições, o que já seria excelente) acabe-se com essa despesa inútil. Ou será que alguém é capaz de dizer que as nossas instituições funcionam como devem? Só alguém que não tenha vergonha na cara! Se assim fosse a situação não seria tão desastrosa.
Cambada!"
E pronto! Prometo que voltarei, se a disponibilidade o permitir...
Mas, caro Biranta... Por que não posta, em vez de comentar? Não aceitou o convite para aceder às ferramentas de edição do blog?
É isso! Ficou à espera de melhor oportunidade e foi passando...
Vou tirar um bocadinho para fazê-lo!
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