O Eleito

sexta-feira, dezembro 23, 2005

Entre A Política E A Realidade...

… Pode ir uma grande distância. As sociedades democráticas modernas estão hoje entretidas num jogo de espelhos perigoso porque, a prazo, gerador de profundas frustrações colectivas. Vejamos alguns exemplos.

José Sócrates ganhou umas eleições a prometer 150.000 empregos e um Plano Tecnológico. Quase um ano depois há menos empregos e há Plano, mas sem tecnologia.

Agora, em plena pré-campanha para a Presidência da República, o cenário repete-se. Alguém de bom senso acreditará que Cavaco Silva fará tudo o que diz? Ninguém. O candidato tem uma atenuante: não mente sobre a sua identidade. Afirma-se garbosamente de ser um social-democrata convicto e é-o. Basta ver os seus Governos e o que fizeram ao Estado, à despesa pública, ao défice. Aumentou tudo. Para quem não acredita que existe esquerda moderada, Cavaco Silva é um bom exemplo dela.

Sucede que neste momento os portugueses têm necessidade de acreditar que vem o mago dos números resolver o vazio dos bolsos. E vão votar naquilo em que querem acreditar, não naquilo que efectivamente acontecerá. E sabem, paradoxalmente, que não acontecerá. É esta espécie de distância consciente entre o que é e o que nos apetece que seja que também explica a ausência de reacção colectiva quando se desfaz a ilusão. Que muitas vezes é confundida com indiferença colectiva.

O Presidente não tem poderes para fazer metade do que Cavaco Silva proclama. Devia ter, acho eu, mas não tem. E nem quer ter. Bem pode Soares bramir a falta de leitura, Jerónimo ameaçar com insónias e Alegre prometer combate. O país está noutra.

Por isso os debates televisivos têm sido sobre o carácter dos candidatos, como diz Cavaco Silva. Na verdade, o carácter dos candidatos é a única coisa que lhes convém discutir, porque ideias de mudar o sistema a sério nenhum deles tem ou quer ter. São pais dele e os filhos não se renegam.

Essa mudança teria forçosamente de passar por uma mudança profunda da Constituição, que proíbe a reforma do Estado falido e a regeneração do sistema politico. A qual, de resto e mais uma vez, nenhum candidato defende. Vêem Belém como um palácio de reforma dourada para usufruir de altos índices de popularidade. Já tiveram incómodos que baste quando foram Primeiros-Ministros. Chega.
(publicado na edição de hoje do Diário de Aveiro)

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