Dez Anos É Pouco Tempo
Esta campanha presidencial está a ser fraca, cinzenta e entediante. Fraca porque não tem tido motivos de interesse. Cinzenta porque os principais candidatos defendem no essencial o sistema de Governo que vigora em Portugal. Entediante, porque bem ou mal, todos já interiorizaram que o vencedor está encontrado.
Isto acontece porque a esquerda fez da sua luta presidencial uma amostra em quatro cacos e porque Cavaco Silva não precisa de arriscar uma vírgula fora da cartilha que lhe foi passada pelo seu marketing. É o Presidente anunciado há muito tempo e tem desfilado alegremente não pela Avenida da Liberdade, como Mário Soares queria evitar, mas pelas avenidas dos votos. É mais ou menos como se a Superliga começasse com o campeão escolhido à partida e o interesse da época desportiva se limitasse à questão de saber que clubes conseguiriam ir à UEFA ou evitar a descida de divisão, que é o problema particular de Jerónimo e de Francisco. Como é evidente seria uma neura emocional e uma pobreza desportiva. Este é o estado da campanha presidencial.
Por outro lado, o Presidente da República no sistema de governo português, que a elite partidária endeusou na Constituição com a patética aura (traiçoeira…) da eternidade, não faz da figura do Presidente propriamente uma fonte de entusiasmo. Este é o interesse do debate político da campanha. Ele tem oscilado entre o passado e o perfil.
E assim será até dia 22 de Janeiro se a esquerda não conseguir finalmente publicar um escândalo na imprensa que arrase Cavaco Silva e que, no estado em que está esta Pátria conformada que nem o Poeta consegue despertar, terá de ser mais do que um escândalo, um verdadeiro sismo político.
Mas isto não quer dizer que o resultado destas eleições seja politicamente indiferente ou não produza consequências. Vai produzir e muitas, mas na esfera da carreira política de alguns e na definição de alguns ciclos eleitorais seguintes. E tenho até o palpite de que essas consequências serão de longo alcance partidário.
Não pretendo aqui colocar-me no tradicional papel daqueles comentadores políticos, cujas científicas, categóricas e definitivas previsões sobre os congressos partidários feitas à meia-noite são desmentidas às três da manhã. Também que a história não se repete e que a política hoje evolui à necessidade da luz. Mas quando todos palpitam sobre o futuro, penso que não é demais interpretar o que vai na cabeça de cada um dos protagonistas para o futuro político do país caso Cavaco silva confirme nas urnas as previsões das sondagens.
A tentação de olhar para dez anos de Cavaco Silva em Belém em termos simétricos aos dez anos de Mário Soares em Belém é quase irresistível.
Então, vejamos: enquanto durou Mário Soares em Belém o PS nunca conseguiu cheirar o poder. Vítor Constâncio tentou e perdeu para a maioria absoluta do PSD. Jorge Sampaio tentou e perdeu para a maioria absoluta do PSD. O PS queimou duas lideranças. Só António Guterres, com a maioria absoluta do PSD esgotada e Mário Soares de partida conseguiu fazer voltar o PS ao poder, coincidindo com o ciclo presidencial do PS.
Pois bem: há seguramente neste momento quem veja as coisas assim: Cavaco Silva irá para Belém, em princípio por dez anos. O que implica que a oposição do PSD à maioria absoluta do PS terá a dificuldade de esbarrar em Belém com um aliado objectivo do PS de Sócrates por estar convictamente obrigado à defesa da estabilidade política. E esta será uma grelha fatal que churrascará os próximos líderes do PSD. Com Marques Mendes à cabeça no PSD e por arrasto Ribeiro e Castro, no outro partido (terminologia cavaquista para designar o CDS).
Isto só tem uma possibilidade de saída que é a de a oposição ser feita conjunta e simultaneamente ao Governo e ao Presidente. A Sócrates e a Cavaco, ao estilo dois em um. Já se viu o suplício que é para o líder da oposição, de cada vez que ataca o Governo ver o PS a responder-lhe: “Nem Cavaco Silva está de acordo convosco!” e este ter de estar quieto e mudo em nome da estabilidade em que convictamente acredita? Ninguém resiste.
Talvez fosse a isto que Pacheco Pereira sibilinamente se referiu quando escreveu no seu blogue que “estas eleições são muito mais interessantes do que parecem, muito mais importantes do que se imagina. Elas mexem fundo no sistema político-partidário, nos partidos, nos grupos dentro dos partidos, nas personalidades. Muita coisa vai começar, alguma está a acabar de forma inesperada”.
Talvez seja isto também que tenha levado Santana Lopes a dizer o que disse na entrevista à SIC Notícias que tanto incomodou Cavaco Silva e os seus estrategos. Talvez seja isto que explique a incontida vontade de Paulo Portas regressar já em 2006 à chefia do outro partido que apoia Cavaco Silva, em quem, de passagem, e como gato sobre brasas, disse que votava, remetendo-se posteriormente a um silêncio descomprometido, enquanto o seu sucessor está a passar as “passas de Boliqueime”. A esta hora, Portas já deve estar a deliciar-se com outra oportunidade de passar a perna a um PSD que antevê decadente e manietado por muitos anos.
Mais: profissional como é, calculista como é, não me espantaria que Cavaco Silva já tenha decidido até quem quer deixar em S. Bento quando tiver de sair de Belém. E de uma coisa tenho eu a certeza: esse homem não é certamente Marques Mendes, Santana Lopes ou, muito menos, Paulo Portas.
Até poderá acontecer que nada disto se venha a passar assim. Mas nada impede que muita gente se esteja a posicionar em função de uma eventual convicção de que é isto mesmo que está à beira de acontecer. Afinal de contas, dez anos é pouco tempo. Sobretudo, para quem tem quarenta.
Isto acontece porque a esquerda fez da sua luta presidencial uma amostra em quatro cacos e porque Cavaco Silva não precisa de arriscar uma vírgula fora da cartilha que lhe foi passada pelo seu marketing. É o Presidente anunciado há muito tempo e tem desfilado alegremente não pela Avenida da Liberdade, como Mário Soares queria evitar, mas pelas avenidas dos votos. É mais ou menos como se a Superliga começasse com o campeão escolhido à partida e o interesse da época desportiva se limitasse à questão de saber que clubes conseguiriam ir à UEFA ou evitar a descida de divisão, que é o problema particular de Jerónimo e de Francisco. Como é evidente seria uma neura emocional e uma pobreza desportiva. Este é o estado da campanha presidencial.
Por outro lado, o Presidente da República no sistema de governo português, que a elite partidária endeusou na Constituição com a patética aura (traiçoeira…) da eternidade, não faz da figura do Presidente propriamente uma fonte de entusiasmo. Este é o interesse do debate político da campanha. Ele tem oscilado entre o passado e o perfil.
E assim será até dia 22 de Janeiro se a esquerda não conseguir finalmente publicar um escândalo na imprensa que arrase Cavaco Silva e que, no estado em que está esta Pátria conformada que nem o Poeta consegue despertar, terá de ser mais do que um escândalo, um verdadeiro sismo político.
Mas isto não quer dizer que o resultado destas eleições seja politicamente indiferente ou não produza consequências. Vai produzir e muitas, mas na esfera da carreira política de alguns e na definição de alguns ciclos eleitorais seguintes. E tenho até o palpite de que essas consequências serão de longo alcance partidário.
Não pretendo aqui colocar-me no tradicional papel daqueles comentadores políticos, cujas científicas, categóricas e definitivas previsões sobre os congressos partidários feitas à meia-noite são desmentidas às três da manhã. Também que a história não se repete e que a política hoje evolui à necessidade da luz. Mas quando todos palpitam sobre o futuro, penso que não é demais interpretar o que vai na cabeça de cada um dos protagonistas para o futuro político do país caso Cavaco silva confirme nas urnas as previsões das sondagens.
A tentação de olhar para dez anos de Cavaco Silva em Belém em termos simétricos aos dez anos de Mário Soares em Belém é quase irresistível.
Então, vejamos: enquanto durou Mário Soares em Belém o PS nunca conseguiu cheirar o poder. Vítor Constâncio tentou e perdeu para a maioria absoluta do PSD. Jorge Sampaio tentou e perdeu para a maioria absoluta do PSD. O PS queimou duas lideranças. Só António Guterres, com a maioria absoluta do PSD esgotada e Mário Soares de partida conseguiu fazer voltar o PS ao poder, coincidindo com o ciclo presidencial do PS.
Pois bem: há seguramente neste momento quem veja as coisas assim: Cavaco Silva irá para Belém, em princípio por dez anos. O que implica que a oposição do PSD à maioria absoluta do PS terá a dificuldade de esbarrar em Belém com um aliado objectivo do PS de Sócrates por estar convictamente obrigado à defesa da estabilidade política. E esta será uma grelha fatal que churrascará os próximos líderes do PSD. Com Marques Mendes à cabeça no PSD e por arrasto Ribeiro e Castro, no outro partido (terminologia cavaquista para designar o CDS).
Isto só tem uma possibilidade de saída que é a de a oposição ser feita conjunta e simultaneamente ao Governo e ao Presidente. A Sócrates e a Cavaco, ao estilo dois em um. Já se viu o suplício que é para o líder da oposição, de cada vez que ataca o Governo ver o PS a responder-lhe: “Nem Cavaco Silva está de acordo convosco!” e este ter de estar quieto e mudo em nome da estabilidade em que convictamente acredita? Ninguém resiste.
Talvez fosse a isto que Pacheco Pereira sibilinamente se referiu quando escreveu no seu blogue que “estas eleições são muito mais interessantes do que parecem, muito mais importantes do que se imagina. Elas mexem fundo no sistema político-partidário, nos partidos, nos grupos dentro dos partidos, nas personalidades. Muita coisa vai começar, alguma está a acabar de forma inesperada”.
Talvez seja isto também que tenha levado Santana Lopes a dizer o que disse na entrevista à SIC Notícias que tanto incomodou Cavaco Silva e os seus estrategos. Talvez seja isto que explique a incontida vontade de Paulo Portas regressar já em 2006 à chefia do outro partido que apoia Cavaco Silva, em quem, de passagem, e como gato sobre brasas, disse que votava, remetendo-se posteriormente a um silêncio descomprometido, enquanto o seu sucessor está a passar as “passas de Boliqueime”. A esta hora, Portas já deve estar a deliciar-se com outra oportunidade de passar a perna a um PSD que antevê decadente e manietado por muitos anos.
Mais: profissional como é, calculista como é, não me espantaria que Cavaco Silva já tenha decidido até quem quer deixar em S. Bento quando tiver de sair de Belém. E de uma coisa tenho eu a certeza: esse homem não é certamente Marques Mendes, Santana Lopes ou, muito menos, Paulo Portas.
Até poderá acontecer que nada disto se venha a passar assim. Mas nada impede que muita gente se esteja a posicionar em função de uma eventual convicção de que é isto mesmo que está à beira de acontecer. Afinal de contas, dez anos é pouco tempo. Sobretudo, para quem tem quarenta.
(publicado na edição de hoje do Semanário)
1 Comments:
Oh Jorge, vai-me desculpar, porque eu não quero que fique com "mania da perseguição", a meu respeito. Não é essa, de todo, a minha intenção. Apenas digo o que sinto e pronto (mas reconheço-lhe, a sim ou a qulquer outra pessoa, o mesmo direito).
Deixemos os "salamaleques" e vamos ao que interessa:
A meu ver, este seu artigo é um bom exemplo das razões pelas quais esta campanha é tão "desinteressante". Depois de ler tudo, o que me apetece dizer (com o coração ao pé da boca, é claro) é que: "quem não "encontra" coisas úteis de que falar, conjectura..." Isto porque, afinal, pretendendo estar contra, você contribui para o coro... há muito afinado pela manipulação das "forças" que pretender impõr Cavaco Silva como próximo presidente. Ou seja: você também deixou "condicionar" e manipular, o seu raciocínio... Então, não se pode admirar de que a "estratégia" esteja a resultar, em cheio, com os cidadãos comuns...
A meu ver, as pessoas "esclarecidas" devem fazer a diferença. Mas isto é, APENAS, a minha opinião...
Acho bizarra e absurda essa sua ideia do escândalo (que, em todo o caso, até poderia ter efeito contrário, visto que as pessoas já não se deixam manipular e não acreditam em coisas dessas. Para além de que, quem cotrola as "cabalas" são os mesmos grupos de interesses que querem eleger Cavaco)
Desculpe ter abusado da sua paciência...
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