O Eleito

sábado, novembro 12, 2005

Nem Tísico, Nem Gordo - Um Bom Estado É Aquele Que Está Em Forma

Cá estou eu para responder aos que aceitaram o meu repto.
§1. O Karloos foi o primeiro. Estamos perfeitamente de acordo - a reforma da segurança social é urgente. Vejo também que o que o Karloos não propõe o fim de uma Segurança Social pública; pretende apenas o seu emagrecimento. Muito bem.
Quanto aos outros sectores do Estado, diz «privatize-se o mais que se possa privatizar». Quanto a mim, há pilares do Estado que podem, mas não devem, ser privatizados - nomeadamente a Saúde e a Educação. Peguemos na Educação. A Educação não deve ser totalmente privatizada. As instituições privadas deverão coexistir com as públicas. A concorrência, nesta área sensível - onde se joga o futuro de qualquer país - pode vir a ser perniciosa, porquanto o lucro passaria a ser o móbil das escolas. Atrás dele, viria um sem-fim de atitudes próprias do Homo Lucrus. Exemplificando, a inflacção das notas escolares à custa do grau de exigência do ensino, para subida num qualquer ranking. Há sectores básicos, portanto, que devem ficar de fora das áreas limítrofes do lucro. Um Estado tísico não é um bom Estado. Um Estado gordo também não. Um bom Estado é aquele que está em forma.
§2. Depois, foi o Mário Almeida. Fala-nos da Saúde. E aponta um problema bem real: a Saúde, em Portugal, está doente. E a solução não deve ser injectar mais dinheiro, pelo contrário (medidas como, por exemplo, a cobrança de taxas moderadoras mais elevadas não seriam más de todo). Por outro lado, o quadro não é tão negro como o Mário o pinta: poderá sê-lo, e é, em muitos casos. Mas, as mais das vezes, o utente carece apenas de uma simples consulta no seu médico de família. Neste campo, por exemplo, os serviços de saúde do Estado são relativamente eficientes. A solução para a convalescença da Saúde em Portugal deve residir num combate cabal e pouco tímido à ineficiência dos recursos disponíveis. Não na privatização total. Mais uma vez, devem coexistir aqui serviços públicos e privados. Os «cheques-saúde» que o Karloos refere e o Mário cita iriam sair tão ou mais caros ao Estado. É que as pessoas que não podem pagar operações, consultas de especialistas, inter alia, são a maior parte do bolo. E o Estado iria pagar a quem? Ao Homo Lucrus, nada meigo quando a conversa tem por tema «folha de pagamentos». E não pense o Mário que a podridão iria acabar. Não. Iria apenas ser transferida, desta feita para o sector privado. Continuaria a haver cunhas, os hospitais privados teriam em melhor consideração os doentes mais endinheirados, os doentes com menos recursos seriam preteridos, ad infinitum. Muito longe do «e foram felizes para sempre» que o Mário e o Karloos nos querem vender.
§3. Por último, o Salvador. A sua alternativa assenta em três pilares: liberdade, responsabilidade e solidariedade. a) Liberdade: «um Estado que gasta 50% da riqueza produzida nega ao indivíduo grande parte da sua liberdade». A construção de estradas, pontes, escolas, hospitais, a própria defesa nacional, etc etc, não negam, mas contribuem para o exercício da liberdade do indivíduo. Agora: se me perguntar se considero que muito do dinheiro gasto pelo Estado é mal gasto, respondo-lhe que sim. O Estado está gordo. b) Responsabilidade: «sem Responsabilidade não se pode merecer a Liberdade; cada um é responsável por si e pelo que lhe acontece». Muito existencialista, este seu Estado liberal. Mas trata-se apenas, esta, de uma frase filosófica. É preciso um conteúdo prático. c) Solidariedade: afirma que o Estado Social leva os indivíduos a «negarem a solidariedade, já que o dinheiro para ela já lhes foi descontado para esse efeito». Ora exactamente. A solidariedade privada não é de grande valia para a maior parte das necessidades. Só uma solidariedade organizada - estadual, portanto - poderá ser eficaz na caminhada até uma sociedade mais igualitária e justa. Atentemos, por exemplo, na comparticipação pelo Estado dos medicamentos. Quem não tem dinheiro para pagar - situação que se verifica especialmente na terceira idade, onde as pessoas têm menos dinheiro e estão mais vulneráveis a doenças -, bem poderá esperar sentado pela ajuda do vizinho do rés-do-chão. Agora, mais uma vez: se me perguntar se considero que as transferências do Estado estão a ser mal gastas, respondo-lhe de novo que sim. Falta competência e eficiência. O Estado está gordo, e tem de se por em forma urgentemente. Mas não tísico, senão desfalece.

8 Comments:

Blogger Carlos Guimarães Pinto said...

Na saúde e educação o estado seria apenas um regulador, como deve ser. O que acontece nos dias de hoje com a educação universitária privada é o que referencias. Notas inflacionadas em troco de mensalidades chorudas mas isso só acontece porque foi esse o nicho de mercado que o estado deixou. Em rela~ção à saúde, pior do que está dificilmente ficaria.

7:13 da tarde  
Blogger David Afonso said...

Não sou lá grande especialista de ética e deontologia, mas: «Notas inflacionadas em troco de mensalidades chorudas mas isso só acontece porque foi esse o nicho de mercado que o estado deixou». É uma questão de dimensão do habitat? Podemos fazer batota até estarmos todos em pé de igualdade? Nada mau. Venham mais desses liberais que sempre há ligar para mais um na minha estante...

10:17 da tarde  
Blogger Salvador said...

espera lá ó Pedro, (tratemo-nos todos por tu, sff)

não podes pegar numa frase minha, dizer que concordas com ela e, em seguida, afirmares precisamente o contrário!

"Solidariedade: afirma que o Estado Social leva os indivíduos a «negarem a solidariedade, já que o dinheiro para ela já lhes foi descontado para esse efeito». Ora exactamente. A solidariedade privada não é de grande valia para a maior parte das necessidades"

o que eu afirmo é: a solidariedade privada não funciona num Estado Social, mas funciona numa sociedade Liberal, por vários motivos.

- as pessoas têm mais dinheiro
- as pessoas têm mais liberdade para gastar o dinheiro como querem e com quem querem (ajudam quem conhecem e querem ajudar)
- ajudando as pessoas proximas estão a a ajudar-se a si próprias indirectamente, um estímulo muito forte para o fazer
- as pessoas não têm a desculpa para não ajudar que é a mais frequente: "eu pago os meus impostos não tenho nada que ajudar, o Estado que ajude"

(isto enquanto não junto mais duas ou três ideias)

7:31 da manhã  
Blogger Biranta said...

Mais uma vez, a minha discordância é de fundo: Não é o Estado que está gordo. Isso não seria possível num país empobrecido como é o nosso. Há quem esteja "gordo", à custa do Estado e isso é uma aberração, que tem de acabar.
Num estado liberal as pessoas teriam mais dinheiro? Vindo donde?
É só para exemplificar como esta discussão omite o essencial das questões. Não há soluções possíveis sem crescimento da economia; e não há crescimento da economia sem a resolução de alguns problemas de base, sem organização e rigor, sem punir quem falha...
Os problemas existentes nos diferentes sectores não têm origem na actual estrutura organizativa (tal como as notas inflacionadas em troca de chorudas mensalidades), têm origem na bandalheira e na impunidade garantida a todos os "prevaricadores". Ao mesmo tempo, essa impunidade também é um dos bloqueios do nosso desenvolvimento. Por isso eu acho que esta discussão "põe o carro à frente dos bois". Sem que se resolvam esse problemas, básicos, não há alteração estrutural ou outra que permita resolver os nossos problemas (pelo contrário: até podem agravá-los) e continuaremos a ser "casa onde não há pão..."!

10:14 da manhã  
Blogger Salvador said...

"Não é o Estado que está gordo. Isso não seria possível num país empobrecido como é o nosso. Há quem esteja "gordo", à custa do Estado e isso é uma aberração, que tem de acabar."

em qualquer Estado com grande dimensão há sempre gente a viver à custa dele indevidamente, há indíces de corrupção que não se podem contornar. Há três maneiras de ver a coisa: ou defende o Estado Social, ou defende um Estado mais pequeno ou então defende uma utopia irrealizável, que entre outras coisas teria que mudar a natureza humana.

6:45 da tarde  
Blogger Pedro Santos Cardoso said...

Salvador,

1. não te tratei no post por «tu» porque não me estava a dirigir a ti em especial, mas aos leitores. Agora, quando falamos directamente, claro que prefiro tratar e ser tratado por tu.

2. «não podes pegar numa frase minha, dizer que concordas com ela e, em seguida, afirmares precisamente o contrário!
"Solidariedade: afirma que o Estado Social leva os indivíduos a «negarem a solidariedade, já que o dinheiro para ela já lhes foi descontado para esse efeito». Ora exactamente. A solidariedade privada não é de grande valia para a maior parte das necessidades"»

Não me contradisse em absolutamente nada. Ocorreu apenas um erro de interpretação da tua parte das minhas palavras, ou então não fui capaz de me expressar devidamente - o que provavelmente aconteceu, porque estva a escrever à pressa.Em primeiro lugar, o Estado Social não retira a possibilidade de qualquer cidadão ser solidário. Isso é facto notório. Em segundo lugar, o que queria dizer é que a solidariedade tem de ser organizada e não entrópica, caso contrário falha. Terceiro, é completamente fantasioso e demonstra uma rebuscada mente imaginativa a afirmação de que «a solidariedade privada não funciona num Estado Social, mas funciona numa sociedade Liberal». Pois. vai haver distribuição por bairros. O bairro X ajuda na comparticipação, até ao fim da sua vida, nos medicamentos da velhota Y. O bairro Z encarrega-se de pagar as baixas médicas da rua C. E por aí fora. Por favor...

7:09 da tarde  
Blogger Biranta said...

Não há qualquer utopia no que defendo. Há é recusa de alguns em compreemder certas coisas e as suas consequências. Todavia, enquanto se luta por "utopias", corre-se o risco de criar alguma coisa boa e positiva, o que não é o caso quando se muda alguma coisa para ficar tudo na mesma. A natureza humana nada tem a ver com o estado actual das coisas e isso é provado pelos elevados índices de descontentamento e ausência de esperança. A natureza dos abutres de que a sociedade tem de se livrar é que tem. Não adianta "enterrar a cabeça na areia" quanto ao essencial. A justiça e a dignidade do País não são nem podem ser "UTOPIA"...

8:38 da manhã  
Blogger Salvador said...

haverá sempre abutres a aproveitar-se de um sistema que se põe a jeito... ou se diminui o Estado ou os abusos não vão parar, as pessoas são assim e não se poderá mudar a natureza delas.

2:36 da manhã  

Enviar um comentário

<< Home

Powered by Blogger