O Eleito

sábado, novembro 26, 2005

O Povo É Quem Mais Referenda

O caro colega Biranta, escreveu um post intitulado «Como Levar O Estado À Bancarrota», perdão, «Como Promover A Abstenção E O Alheamento», perdão, «Valorar A Abstenção. Como! Porquê!». A sua «Proposta de Alteração Ao Sistema Eleitoral», pelo teor de algumas das suas ideias, é completamente divorciada da realidade e, se lavada à prática, tornaria Portugal num país ingovernável, o Estado numa máquina de gastar dinheiro, para além de promover a abstenção. Senão vejamos [apenas] alguns pontos:
§1. Propõe que fiquem «vagos os lugares relativos à abstenção, votos brancos, votos nulos e atribuídos aos pequenos partidos que não consigam eleger deputados, se estes não se manifestarem em contrário». Mais adianta que «os lugares não ocupados, no parlamento, sejam considerados como "opiniões desconhecidas", devendo as matérias mais controversas ser decididas por referendo (que deve ser convocado sempre que as "opiniões desconhecidas" possam ser determinantes para a respectiva decisão)».
Sabe-se que todas as matérias políticas são controversas. Sabe-se que a soma das percentagens da abstenção, dos votos brancos, dos votos nulos e dos votos relativos aos pequenos partidos que não conseguem eleger deputados é equivalente, em circunstâncias normais, à percentagem de votos obtidos pelo partido mais votado. Assim, conclui-se que as "opiniões desconhecidas" serão sempre determinantes para qualquer decisão; e, a ser convocado um referendo sempre que assim o sejam: [1] haveria referendos semanalmente; [2] o Estado gastaria rios de dinheiro em referendos; [3] o cidadão normal ir-se-ia alhear por completo do ónus de ter de votar com tanta frequência; [4] nem sempre as decisões sufragadas por referendo serão as mais correctas (aliás, desconfio mesmo da bondade do instituto do referendo - as mais das vezes, tem um efeito perverso; mas isso é matéria para outro post).
É claro, e há sempre a hipótese interessante de as "opiniões desconhecidas" ganharem as eleições e serem convidadas a formar governo...
§2. Depois prossegue: «O Primeiro Ministro deve ser nomeado de modo a garantir o apoio da maioria do parlamento. Se tal não for possível, deve o cargo ser entregue ao partido mais votado mas, neste caso, o seu desempenho deve ser referendado quando se esgotar a percentagem de tempo do mandato correspondente à respectiva percentagem de votos. (Este governo, por exemplo, teria que ser referendado ao fim de 30% do tempo de duração do mandato; ou seja: ao fim de 15 meses)».
Antes do mais, convém relembrar que, no nosso sistema político, o Primeiro-Ministro é nomeado tendo em conta os resultados eleitorais: assim, se tiver maioria absoluta, tem o apoio da maioria do Parlamento; se tiver maioria relativa, ou tem tal apoio, ou faz coligações, ou cai. Depois, se seguirmos a lógica do Biranta, para que se saiba se o PM tem o apoio da maioria do Parlamento, é necessário perguntarmos a opinião das "opiniões desconhecidas" - que sempre terão uma grande percentagem de lugares na Assembleia. E, uma vez que se trata de uma matéria relevante, lá vai o português fazer um referendo (logo após as eleições legislativas) para confirmar a decisão que tomou nessas legislativas... Fantástico.
Mas adiante. De seguida, Biranta defende um referendo ao desempenho do Governo quando se esgotar a percentagem de tempo de mandato correspondente à percentagem de votos obtida. E exemplifica, dizendo que este Governo teria que ser referendado ao fim de 30% do tempo de duração do mandato, i. é, ao fim de 15 meses. Ora, com tal referendo, a República Portuguesa seria a mais instável das repúblicas, com governos sucedendo-se anualmente: nenhum Governo deste país ousaria tomar medidas difíceis ou impopulares, mas necessárias, já que daí a uns meses ser-lhe-ia posto uns patins. E o povo vota não pela bondade das medidas, vota sim contra qualquer coisa que se mova que o atinja. Mas lá íamos nós outra vez a referendo, gastando o Estado ainda mais, alheando-se ainda mais o cidadão.
§3. Mais defende que «a adequação do desempenho governativo e do parlamento sejam referendadas em cada dezoito meses de vigência dum mesmo mandato, devendo o parlamento e/ou o governo, serem destituídos se não obtiverem mais de 50% de votos positivos».
Lá vou eu remeter para o que disse antes: a República tornar-se-ia a mais instável das repúblicas, com Governo e Parlamento apenas a tomarem decisões demagógicas, nunca impopulares; com o povo a votar não pelo acerto das medidas, mas sim contra tudo o que se mexa que o atinja. Poderíamos ter também situações hilariantes: caso as "opiniões desconhecidas" houvessem ganho as legislativas - e, vai daí, formado governo [o Governo Invisível, no qual a cada decisão corresponderia um referendo] - chegaríamos ao cúmulo de referendar o desempenho das nossas decisões tomadas por referendo! Fantástico. Mas, qualquer que fosse o governo e o parlamento, lá iríamos nós - outra vez - para referendo.
§4. Propõe também «que o desempenho do Presidente da República e dos Presidentes das autarquias passem a ser “confirmados”, ou não, através de referendos, logo que termine a percentagem de tempo dos mandatos correspondente às respectivas percentagens de votos; devendo obter mais de 50% dos votos para poderem manter o cargo».
Já agora, Biranta, não seria mais fácil e barato mudar a Constituição no sentido de cada mandato político não poder ultrapassar a duração de seis meses? Já com 20% do PIB gasto em eleições e referendos, ainda teríamos o referendo ao desempenho do PR e dos autarcas [!] - só para estes últimos, seriam precisos centenas de referendos anuais.
Mais uma corrida, mais uma viagem, mais um referendo.
§5. Por fim, propõe que «esta proposta tem tanto direito a ser discutida publicamente e submetida a referendo como qualquer outra, visto que é diferente de todas as outras conhecidas». É só mais um. Os eleitores já estão tão alheados; o PIB gasto em referendos já vai nos 50%; há, pelo menos, um referendo por semana - mais referendo menos referendo também não fará muita diferença.
§6. Assim, com esta proposta do Biranta, as decisões políticas seriam as melhores - porque tomadas pelo povo sábio -, a vida da República uma perfeita harmonia, seria o fim da corrupção, o céu cair-nos-ia em flocos de oiro e seríamos todos felizes para sempre.

3 Comments:

Blogger Biranta said...

Como as coisas são... (relativas)!!!
Pois eu é que me fartei de rir com tanto disparate. Mas acredito que seja perda de tempo estar a responder, no que diz respeito aos seus próprios conceitos. Quem "pensa" assim, não tem capacidade (não quer?) ouvir e avaliar, com bom senso, os argumentos dos outros. Tá bem! Haja democracia!
Só que, a minha proposta não é para SUA apreciação, mas para divulgação e apreciação da população. Ah pois! Já sei! A população não se pode pronunciar sobre isso, nem sobre nada (a não ser sobre questões menores e menos mobilizadoras), porque isso provoca instabilidade.
Decididamente temos vivido em paises diferentes... Estabilidade?! Chama a isto estabilidade? Meu Deus! Você tem um qualquer problema de autismo. Vive alheado da realidade e nem sequer quer vê-la. Atão não se tá a ver tanta estabilidade?! O país tem progredido que é um regalo, com toda esta estabilidade. E os Desígnios nacionais? Os resultados de estudos e projectos e pareceres e... Não são logo levados à prática e resolvidos os respectivos problemas?
E a agitação social? E o descontentamento generalizado? E a descrença no futuro? E a ausência de esperança e de perspectivas?
Deixe lá, não se preocupe! São delírios meus! Isto é um país estável, desenvolvido, com um excelenmte nível de vida, com uma estabilidade que até chateia...
Oh meu caro! O que eu tentei enunciar foi um conjunto de propostas que, a serem adoptadas...
Pensaando melhor vou responder em post, porque isto promete.
Só quero sublinhar que, quando digo "você", me refiro às ideias e ao que de pérfido resulta, para a realidade, da sua adopção. Não me refiro à pessoa. Convém frisar para evitar mal entendidos...

12:23 da manhã  
Blogger Mário Almeida said...

Biranta :

Posso sugerir que a sua tréplica se resuma um ponto que o Pedro focou ?

"E exemplifica, dizendo que este Governo teria que ser referendado ao fim de 30% do tempo de duração do mandato, i. é, ao fim de 15 meses. Ora, com tal referendo, a República Portuguesa seria a mais instável das repúblicas, com governos sucedendo-se anualmente: nenhum Governo deste país ousaria tomar medidas difíceis ou impopulares, mas necessárias, já que daí a uns meses ser-lhe-ia posto uns patins."

Partindo do pressuposto que :

1 - Portugal tem problemas.
2 - As soluções desses problemas não são fáceis e geram descontentamento.
4 - Muitas das medidas necessárias requerem tempo para se aplicarem, nomeadamente as reformas mais estruturais.
3 - Um Governo que tome medidas difíceis está obviamente sujeito a esses descontentamento.
4 - Os afectados por essas medidas não perderão a primeira oportunidade para se "vingarem".

a) Qual vai ser o governo que vai tomar medidas difíceis, sabendo que ao fim de 10, 20, 30 meses está sujeito a perder o poder ?
b) Mesmo que aparecesse esse governo, qual seria a sua eficácia se ao fim de 10, 20, 30 meses, as medidas tomadas poderiam ser canceladas ?

Por último,

Se ao governo A que tinha tomado as tais medidad difíceis, sucedesse o governo B que as mantinha, e que por sua vez sucedia ao governo C, que também as mantinha, como é que então na sua óptica se resolvia o problema ?

3:26 da manhã  
Blogger Pedro Santos Cardoso said...

Caro Biranta,

1. «Quem "pensa" assim, não tem capacidade (não quer?) ouvir e avaliar, com bom senso, os argumentos dos outros.»
Caro amigo, tenho capacidade para ouvir e avaliar, sim, os argumentos dos outros. Como reparou, li o seu post e escrevi o que pensava acerca dele - com um discurso argumentativo. E era o que eu esperava de si na caixa de comentários ou num post: que contradissesse o que eu escrevi com um discurso argumentativo. Mas o amigo Biranta respondeu com uma certa intolerância para com o meu pensamento. Acaso defende a liberdade de pensamento? Então há que saber conviver com ela. Por mim, como pessoa democrática, republicana, laica e de centro-esquerda que sou, tento fazer dela um princípio. Continuo a pensar, sem a menor margem para dúvidas, que os meus argumentos denotam mais bom-senso e razoabilidade. Eram esses que eu gostaria que rebatesse, com bom-senso e razoabilidade.

2. «Só que, a minha proposta não é para SUA apreciação, mas para divulgação e apreciação da população.»
Deixe-me dizer-lhe que eu pertenço à população. Logo, posso também apreciar a sua proposta e a qualquer um que a torne pública.

3. «Decididamente temos vivido em paises diferentes... Estabilidade?! Chama a isto estabilidade?» «E a agitação social? E o descontentamento generalizado? E a descrença no futuro? E a ausência de esperança e de perspectivas?
Deixe lá, não se preocupe! São delírios meus!»
Concordo consigo, Biranta. Há agitação social, descontentamento generalizado, descrença no futuro e ausência de perspectivas. Não são delírios seus. Mas tentar mudar isso com uma proposta irreflectida e fantasiosa que iria agravar sobremaneira esse estado de coisas, como tentei demonstrar neste post - através de um discurso argumentativo, reafirmo - não será talvez a melhor forma de resolver o assunto.

4. «O que eu tentei enunciar foi um conjunto de propostas que, a serem adoptadas...
Pensaando melhor vou responder em post, porque isto promete.»
Que, a serem adoptadas... Falta o resto, caro Biranta. Isso, escreva um post. Mas gostaria que o seu post não fosse apenas uma longa manuus, uma extensão do que escreveu no seu anterior post, mas que tentasse também infirmar os meus argumentos. Um por um. Olhe que vai ser difícil...;-)

4. «quando digo "você", me refiro às ideias e ao que de pérfido resulta, para a realidade, da sua adopção. Não me refiro à pessoa. Convém frisar para evitar mal entendidos...»
Claro, Biranta. O objectivo deste blogue é a discussão de ideias, não um campo de formação de inimizades. Podemos ser agressivos uns com as ideias dos outros, mas a agressividade não passa disso - pessoalmente é para nos darmos todos bem. Até espero que seja marcado, um dia destes, um jantar entre os participantes deste blog, onde seguramente vamos poder pôr em prática isso mesmo - só que agora com um bom prato e um copo de vinho nas mãos.

5. Saudações democráticas.

10:17 da manhã  

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