O Eleito

domingo, novembro 27, 2005

A Denegada Retórica De Cavaco

Cavaco Silva fez ontem, no Porto, estas duas afirmações de carácter eminentemente retórico:

Afirmação A:

A gente do Porto não é gente de se deixar enganar, sabe bem que candidatos defendem a verdadeira justiça social e igualdade de oportunidades, não tendo todos os dias palavras vazias e retórica na boca

Afirmação B:

Não costumo pronunciar-me sobre declarações dos que foram meus colaboradores no Governo e, por alguma razão, tiveram que ser afastados

(Sublinhados meus)


Se na primeira das afirmações (A) já é evidente que só através de outra retórica consegue censurar a retórica na boca (a gente do Porto não é gente de se deixar enganar, sabe bem que... etc. etc.) é especialmente na segunda (B) que Cavaco se revela, afinal, um exímio praticante na arte que publicamente tanto tem denegado. E senão vejamos. Repare-se no mortífero efeito retórico desta última afirmação (B) que, não fora a intenção manifestamente retórica de Cavaco, não precisaria de ir além da sucinta frase: Não costumo pronunciar-me sobre declarações dos que foram meus colaboradores de Governo. Estava o recado dado. Cavaco deixaria assim apenas uma ideia muito geral de que as críticas de quem tenha participado nos seus governos são, até certo ponto, naturais e, por isso mesmo, não podem ser levadas muito a sério.

Mas ao acrescentar aquela "venenosa" parte final e, por alguma razão, tiveram que ser afastados, Cavaco passou nitidamente ao ataque, ou se se quiser, deu a resposta que começara por negar. De uma penada, não só lembra que Cadilhe foi afastado como adianta que o foi porque tinha que ser. Ora isto de se ser afastado porque teve que ser, regra geral, não é orgulho para ninguém, pior ainda, se for notícia de jornal.

Em resumo:

a) quando Cadilhe desferiu um ataque à pessoa de Cavaco, comparando-o a um eucalipto, não imaginava, por certo, que ainda levaria com esse mesmo eucaplipto na cabeça como, metaforicamente, veio a acontecer.

b) veja-se como uma tão curta afirmação retórica (a de Cavaco) pode destruir o efeito persuasivo de uma entrevista inteira (a de Cadilhe).

c) a retórica de Cavaco, ainda que denegada, revelou-se mais eficaz do que a de Cadilhe.

8 Comments:

Blogger David Afonso said...

Cavaco é um dos grandes mestres da retórica do nosso tempo ;-)
O silêncio, quando bem calibrado, tem um efeito de sedução muito eficaz sobre o auditório. Pois mas o homem não gosta de retórica. Enfim, uma verdadeira tragédia: um homem que não gosta de si próprio...

1:56 da manhã  
Blogger Mário Almeida said...

Excelente post.

No entanto, o "sangue" que toda a gente quer ver não é do interesse político candidato Cavaco Silva, por isso afirmações como a A) devem ser vistas nesse contexto.

3:11 da manhã  
Blogger Mário Almeida said...

"Enfim, uma verdadeira tragédia: um homem que não gosta de si próprio..."

Retórica ? :-)

3:12 da manhã  
Blogger Biranta said...

O problema de Cacava, que ele e os seus "conselheiros" ainda não perceberam, é que não tem "arcabouço" para se confrontar com Cadilhe. De facto, Cavaco, em si, nada vale. O principal valor dos seus governos proveio da competência de Cadilhe, no primeiro governo... Cadilhe foi afastado porque, até por ser inteligente e eficiente, tem um mínimo de coluna vertebral, não é manipulável pelas máfias que infestam todas as nossas instituições e ganharam raízes profundas nos órgãos do poder... Por isso, por não poder ser usado e abusado por essas gentes é que Cadilhe foi afastado (e ainda é ultrajado, como agora por Cavaco). Cavaco sim, é um bom "moço de recados".
Reparem que eu não concordo com Cadilhe, em tudo. Mas não deixo de reconhecer que, independentemente das opiniões filosóficas, existem pontos de acordo e possibilidades de cooperação entre pessoas inteligentes e eficientes. Essas são as minhas convergências com Cadilhe. E, algum dia, será dessas convergências e da cooperação entre essas pessoas, pelos superiores interesses do país, que pertence a todos, que se podem resolver os nossos problemas e progredir; quer isso se faça incluindo-me, ou não, e incluindo Cadilhe, ou não. Mas também não há muito por onde escolher! Cavaco é um dos que não interessa incluir (excluiu-se) dessa "TAREFA"... Já é bom que "não estrague e dificulte", como está a fazer, transformando-se em "força de bloqueio".

10:09 da manhã  
Blogger Pedro Santos Cardoso said...

Execelente post!

10:41 da manhã  
Blogger David Afonso said...

Mário: sim, retórica. Mázinha, mas ainda assim retórica;-)
Entretanto, Cavaco vai distribuindo os seus mortíferos «beijos da mulher aranha». Este homem tem uma ambição sem limites! É preciso querer muito ser PR para ir queimando um a um os seus ex-colaboradores. Estivéssemos nós na velha Roma, onde as coisas se faziam como deve ser, e já os ex-correligionários Anibal Cavacus tinham tombado à cicuta sabiamente administrada no vinho do banquete. Ah! Bons velhos tempos!...

12:07 da tarde  
Blogger Paulo said...

Cavaco não gostou das críticas que lhe dirigiu Miguel Cadilhe e mostrou duas das suas faces melhor disfarçadas: a incapacidade de aceitar críticas e o recurso à sacanice política. Cavaco Silva sabe muito bem que Miguel Cadilhe foi o melhor ministro que ele teve. Pode-se mesmo dizer que foi o único ministro de quem ele teve ciúmes. Assim como sabe, que a saída de Miguel Cadilhe do governo resultou de uma sacanice jornalística. Responder agora às crítica de Miguel Cadilhe recordando que foi ele que o afastou do governo, é não ter o mínimo de reconhecimento pelo trabalho do que os ajudaram a ser alguém na vida. E, pior do que isso, não hesitar em recorrer à sacanice como argumento político. Porque estará Cavaco tão nervoso se as sondagens quase o dispensam de eleições?

Tirado d' O Jumento

10:16 da tarde  
Blogger David Afonso said...

Apenas demonstra que não se pode confiar nele.

11:02 da tarde  

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